O Papa Humilde? Um Paradoxo Teológico – Tim Challies

Tim Challies

O período de Francisco como papa chegou ao fim e muitos já tentam definir seu legado. Ele foi um reformador? Foi um progressista? Foi um apóstata? As perspectivas são extremamente variadas, com alguns o honrando como o maior papa dos tempos modernos e outros o desonrando como uma vergonha para o cargo.

Ao ler várias colunas, várias palavras parecem surgir repetidamente, embora nenhuma com tanta frequência quanto humildade. Desde os seus primeiros dias, ele foi descrito como “o humilde papa”. Dizia-se que foi a humildade que o compeliu a adotar o nome “Francisco” e a prova de sua humildade era que ele pedia aos fiéis que orassem por ele, e não o contrário. Ele recusou alguns dos benefícios mais ostentosos do papado e optou por viver uma vida mais simples e menos pretensiosa. Dessas e de muitas outras maneiras, ele parecia demonstrar uma humildade exemplar.

No entanto, antes de concordarmos com tal avaliação, devemos considerar o seguinte: O que é humildade? Humildade, nas palavras de Wayne Mack, “consiste em uma atitude em que reconhecemos nossa própria insignificância e indignidade diante de Deus e atribuímos a Ele a suprema honra, louvor, prerrogativas, direitos, privilégios, adoração, devoção, autoridade, submissão e obediência que somente Ele merece. Envolve também uma tendência natural e habitual de pensar e se comportar de uma maneira que expresse apropriadamente essa atitude”. Mack vai direto ao cerne da humildade quando mostra que ela é expressa diante de Deus antes de ser expressa diante do homem. Se somos orgulhosos diante de Deus, não podemos ser humildes diante do homem.

Como qualquer um de nós, o Papa Francisco só poderia ser humilde — verdadeiramente humilde — se primeiro atribuísse a Deus “a suprema honra, o louvor, as prerrogativas, os direitos, os privilégios, a adoração, a devoção, a autoridade, a submissão e a obediência que somente Ele merece”. No entanto, a doutrina católica romana, e especialmente a doutrina relacionada ao papado, rouba a honra, os direitos, as prerrogativas e a autoridade de Jesus Cristo e os atribui, em vez disso, ao papa. Por definição e pelo dogma católico, Francisco não era um papa humilde. Ele não poderia sê-lo a menos que rejeitasse o ofício de papa e a doutrina da Igreja Católica Romana.

O Vigário de Cristo

De acordo com o Catecismo da Igreja Católica Romana, a afirmação mais fundamental sobre o papa é que ele é o Vigário de Cristo. “Como Vigário de Cristo e pastor de toda a Igreja, o Romano Pontífice tem poder pleno, supremo e universal sobre a Igreja. E ele é sempre livre para exercer esse poder”, como diz na “Lumen Gentium”, documento do Concilio Vaticano II.  Um vigário é um substituto (como vemos na palavra vicário ), o que significa, de acordo com James White, que o papa “funciona no lugar de Cristo como a cabeça terrena da Igreja, assim como Cristo é o líder celestial.” O papa afirma ser o representante de Cristo na Terra, deixado aqui para governar a Igreja. No entanto, essa afirmação rebaixa o papel do Espírito Santo, pois é ao Espírito a quem Cristo confiou sua igreja. Como diz White: “A verdade da questão é que o papel do Espírito Santo foi assumido pela hierarquia da Igreja, e o cristão individual está sujeito a essa autoridade como uma questão de sua salvação eterna.”

O Papa Francisco proclamou que era o Vigário de Cristo na Terra e que, como Cristo, tinha autoridade suprema e irrestrita na Terra. No entanto, para um papa ser verdadeiramente humilde, ele teria que revogar sua pretensão blasfema de supremacia e, em vez disso, encaminhar as pessoas aos cuidados do Espírito Santo.

Infalibilidade

A Igreja Católica Romana atribui a infalibilidade, a impossibilidade de erro, ao papa “quando, no exercício de seu ofício de pastor e mestre de todos os cristãos, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, ele define uma doutrina referente à fé ou à moral a ser defendida por toda a Igreja” [CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA ‘PASTOR AETERNUS’, PAPA PIO IX[. Essencialmente, essa doutrina ensina que Deus concedeu à humanidade um porta-voz na Terra que pode abordar com autoridade e infalibilidade as questões mais difíceis relacionadas à vida e à doutrina. Embora as especificidades da infalibilidade papal sejam complexas e controversas, em qualquer forma ela infringe a autoridade da Bíblia. Novamente, James White explica: “A infalibilidade papal é realmente a pedra angular de toda a negação da sola scriptura . Dizem-nos que podemos encontrar um guia infalível na pessoa do papa, alguém que pode falar pela Igreja sem questionamentos em questões de fé e moral. É impossível não apontar o simples fato de que nessa doutrina se encontra o passo final de um processo que começou com a primeira adição de uma tradição humana às Escrituras: o processo de substituir o Espírito Santo de Deus por uma estrutura criada pelo homem.” A alegação de infalibilidade simplesmente não pode ser conciliada com a alegação de humildade.

Se Francisco tivesse sido realmente um papa humilde, teria declarado sua própria falibilidade e se colocado sob a autoridade das Escrituras. Também teria convocado a Igreja a examinar à luz da Palavra de Deus cada palavra que ele proferiu e cada palavra que seus predecessores proferiram antes dele.

O Defensor da Doutrina

Como chefe da Igreja Católica Romana, o Papa Francisco era o defensor supremo de sua doutrina. No entanto, essa doutrina se opõe fundamentalmente ao evangelho da graça somente pela fé somente por meio de Cristo somente. A doutrina antibíblica que necessitou da Reforma Protestante foi afirmada e reafirmada por Roma. A doutrina católica da justificação ainda é uma doutrina de fé mais obras, e não somente de fé. O Cânon 9 do Concílio de Trento nunca foi revogado e continua sendo a posição oficial da Igreja: “Se alguém disser que somente pela fé o ímpio é justificado; de modo que signifique que nada mais é necessário para cooperar a fim de obter a graça da justificação, e que não é de forma alguma necessário que ele esteja preparado e disposto pelo movimento de sua própria vontade; seja anátema.” Este é apenas um dos muitos anátemas que, em conjunto, afirmam que aqueles que afirmam a justificação somente pela fé estão sob a maldição de Deus e sujeitos à sua ira. Durante seu mandato como papa, Francisco foi o principal proclamador e defensor desses anátemas e não fez nada para revogá-los. Se ele tivesse sido um papa verdadeiramente humilde, teria revogado os anátemas da Igreja contra a doutrina da justificação somente pela fé e, em vez disso, afirmado o que a Bíblia tão claramente ensina ser verdade.

O Papa Humilde?

Admiramos aqueles que praticam o bem, que escolhem a pobreza em vez da riqueza, que preferem prisioneiros a padres. No entanto, também podemos ser facilmente enganados pelo que é meramente exterior. À medida que protestantes consideram o legado do Papa Francisco, faríamos bem em ser cautelosos ao elevá-lo como um exemplo da virtude da humildade. Compartilhei apenas três das alegações do papado que contrastam fortemente com qualquer alegação desse tipo. Poderíamos apontar também para seus títulos de Sua Santidade, ou Santo Padre, ou poderíamos apontar para o fato de que ele permitiu que as pessoas beijassem seu anel. (Você consideraria seu pastor humilde se ele exigisse tais títulos e tais rituais?) Mas, em última análise, tudo isso está subordinado à maior e mais blasfema alegação do Papa Francisco e da Igreja que ele representa: a de que ele é o Vigário de Cristo. Diante dessa alegação, entre todas as outras, “Papa Humilde” é um oximoro.


fonte: https://www.challies.com/articles/the-humble-legacy-of-pope-francis/