“Não tenho religião, tenho Cristo”. Você tem certeza disso??

Por ‎Armando Marcos 

O que é a religião? É Deus colocando-Se em comunicação com o homem, o Criador com a criatura, o infinito com o finito – Spurgeon 

Hoje em dia, o termo “religião” é muito mau visto e utilizado, tanto entre incrédulos e de certa forma bastante inusual até, entre crentes. Muitos , quanto contestados, apressadamente dizem “não ter religião, e sim Cristo”, colocando claramente que “Religião= má” e “Cristo=bom”. Em um primeiro momento isso pode ser visto como algo correto e até esperado, afinal não somos pessoas antiguadas e muito menos pessoas farisaicas.

Porém, Irei enumerar algumas considerações sobre o uso do termo, e considerar que sim devemos aceitar que nós como crentes em Cristo temos uma certa religião, como ele deve ser por sua própria natureza a única verdadeira, e pretendo destrinchar aspectos de como ela é e deve se manifestar em nossas vidas nesse pequeno artigo.

  1. Jesus é a unica religião verdadeira no sentido pleno

Os antigos reformadores e, posteriormente, os protestantes evangélicos em geral, costumavam distinguir em seus escritos e tratados claramente entre a “religião verdadeira” e a “religião falsa”: é comum ler, por exemplo, as obras de Calvino, Wesley, Whitefield, Bunyan e Spurgeon, pessoas de séculos diferentes, e notar que eles usavam constantemente essa distinção. No século XVI e XVII, o papismo romano era sempre atacado como a religião falsa que usurpava o nome de cristianismo, e as outras religiões (normalmente os antitrinitarianos, turcos e sarracenos, nome dado aos mulçumanos) como aquelas que legitimamente estavam trilhando o caminho da falsa religião aberta. Porem, ainda assim, a ideia de “religião” não era rejeitada em si mesma, principalmente e mesmo depois do século XVIII com o florescimento do Iluminismo e do Ateísmo moderno.

Depois do inicio do século XX, o termo “religião” foi visto e aplicado  de forma quase sempre negativa e associado a coisas rigidas e sem vida. Mas se avaliarmos corretamente o seu significado, veremos que verdadeiramente o cristianismo é uma religião e sim Cristo pregou certa religião.

O termo “Religião”, segundo o Wikipedia, significa do latim: religare, religação com o divino. Porem, que sempre teve a ideia de forma de espiritualidade, à parte do “secular”: na própria página do Wikipédia diz :

é um conjunto de sistemas culturais e de crenças, além de visões de mundo, que estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a espiritualidade e os valores morais.

No caso do cristianismo, admitimos que ele se constitui de um sistema e visão de mundo simbólicos e reais de distinção próprios, mas ele é isso apenas na superfície, talvez como expressão do seu âmago mais profundo! Quanto a questão de que eles expressam o relacionamento da humanidade com a divindade, segundo o termos, a religião verdadeira é JUSTAMENTE o contrário! As religião falsas, da perspectiva cristã, essas sim, são as que tentam colocar o homem depravado e morto pelo pecado num falso caminho de sozinho ou com uma força própria falsa, no caminho direto dessa “re-conexão”. Porém, só em Jesus que é quem “religa” o homem caído a Deus, só pelo caminho de Cristo, que é o próprio Cristo, por meio da fé em Seu sacrificio, que seguimos a essência da palavra religião! (João 14:6).

Voltando ao sentido histórico, a religião verdadeira é aquela única em que Cristo é o caminho, e a única que segue os preceitos de Cristo acima dos humanos: e nesse sentido, é o contrário da práxis de outras expressões religiosas que colocam o homem como centro ultimo da religação com o divino.

‎II. Tiago define a verdadeira religião

Em Tiago 1:26-27 diz Se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã. A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo.”

Isso tem tudo haver com a prática coerente com a religião verdadeira: demostra uma mudança de coração, o coração regenerado por Cristo pelo poder do Espírito (João3) o amor ao próximo e se afastar do que o mundo nos oferece que nos contamina (1 João 2) . Claro que não somos ainda perfeito como seremos depois, na Glória em Cristo, mas isso não exclui a teologia correta da prática da religião verdadeira, que só pode vir de um coração regenerado e alocado agora sim na “religião verdadeira” de Cristo. Por isso mesmo, mostrando em atos e em ações, como o próprio Cristo verdadeiramente ensinou e exemplificou. Em suma, a declaração de Tiago não contradiz as explanações de Paulo, Pedro e Cristo mesmo, por exemplo. Porem, não é desculpa para o desleixo.

3º A religiosidade é formalista: é mesmo?

Hoje em dia, o termo religiosidade tomou a forma de algo ruim e formal: os maiores exemplos nesse sentido são os fariseus e saduceus, e depois, com os séculos, aqueles praticantes de ritos que não condizem com a realidade bíblica e com a coerência entre fé e obras (professa uma coisa e pratica outra.)

Sim, nesse sentido, sempre houve a há religiosidade, mas essa é uma falsa religiosidade: a verdadeira religiosidade tem a ver com fé real, o comprometimento na verdade e a prática de boas obras que glorifiquem a Deus em amor: não pode-se sobrepor uma sobre a outra : não podemos valorizar demais a ortodoxia que não se preocupa com a vida prática, e nem desprezar a teologia e fé baseada na revelação de Deus, a Bíblia, por sobre essa.

  1. O argumento “da falsa religião” é usado de forma descontrolada

Muitos, assim que contestados sobre alguma prática nova ou novidade religiosa e interpretativa, logo recorrem ao argumento da religiosidade como argumento de defesa e de ataque: porem, como já dito antes, ele não pode ser usado a torto e a direito, pois é contra o uso e definição do cristianismo, bem como contrária até mesmo a história clássica protestante.

  1. Uma reposta a uma possível contra-apelação

Alguém pode argumentar com o fato de Paulo ter dito “Sabendo de mim desde o princípio (se o quiserem testificar), que, conforme a mais severa seita da nossa religião, vivi fariseu “(Atos 26:5)

Em relação a isso, pode-se afirmar exatamente que a primeira forma de religião de Paulo, a farisaica, no sentido do termo em si, era uma falsa religião, pois de acordo com vários princípios, se baseava:

  1. a) Em falso zelo (Romanos 10:2)
  2. b) No judaísmo caduco depois Cristo (pois em Cristo a as promessas são cumpridas e os sacrifícios expiatórios sem mais necessidade, pelo cumprimento em Cristo)
  3. c) No apreço por obras como garantia e direito da salvação (Efésio 2:9)
  4. d) Pela falta de amor e falta do conhecimento de Cristo e de sua salvação (no sentido espiritual e escriturístico, pois ele certamente soube da crucificação de Cristo)

Espero ter mostrado um pouco que o uso do termo religião pelos protestantes deve ser mais bem avaliado. Antes de usar a ideia de que “não tenho religião, tenho Cristo”, como um clichê vazio, devemos perceber que todos aqueles que tem fé em Cristo verdadeiramente sim possuem uma religião, uma religião que , sendo inerente ao sentimento humano dado por Deus (Romanos 1) agora é direcionado verdadeiramente pela verdadeira religião. Isso é um incentivo ao evangelismo, pois nos tira do comodismo de achar que “todas as religiões levam a Deus”. Não, não levam, Paulo em Atenas viu a religiosidade falsa e mesmo admitindo que os gregos adoravam ou tinham algum tipo de percepção turva do Deus para eles desconhecido (Atos 17), ela era insuficiente para salvação, e Paulo pregou o evangelho contra essa falsa religião. Numa era secular pós moderna onde muitos querem ser individualistas ou modernos demais e a religião ou é vista como coisa velha ou sofre tentativa de adaptação, devemos ter a ousadia de assumir nossa verdadeira religião que não deve estar baseada na areia (Mateus 7).

Armando Marcos é editor do Projeto Castelo Forte  e membro da Igreja Presbiterana da Barra Funda, em São Paulo.