Esboços da História da Igreja – CAPÍTULO 2: INÁCIO DE ANTIOQUIA (116 dC)

Esboços da Historia da Igreja

J.C.Robertson

CAPÍTULO II: INÁCIO DE ANTIOQUIA (116 dC)

Quando nosso Senhor subiu ao céu, deixou o governo de Sua Igreja aos Apóstolos. É nos dito que durante os quarenta dias entre a Sua ressurreição e a Sua ascensão, Ele deu mandamentos aos Apóstolos e falou sobre as coisas que pertencem ao reino de Deus (Atos 2:2). Assim, eles sabiam o que deveriam fazer quando seu Mestre não estivesse mais com eles. Uma das primeiras coisas que fizeram, mesmo sem esperar até que a promessa dEle de enviar o Espírito Santo fosse cumprida, foi escolher Matias no lugar que havia sido deixado vazio pela queda do traidor Judas (Atos 1. 15-26).

Depois disso, descobrimos que eles designaram outras pessoas para ajudá-los em seu trabalho. Primeiro, nomearam os diáconos para cuidar dos pobres e para ajudar em outros serviços. Então, nomearam presbíteros (ou anciãos) para assumir o cargo das congregações. Depois, encontramos Paulo enviando Timóteo para Éfeso e Tito para a ilha de Creta, com poder para estabelecer presbíteros em cada cidade (Tit. 1. 5) e governar todas as igrejas dentro de um grande país. Assim, então, três tipos (ou ordens) de ministros da Igreja que são mencionados em Atos e nas Epístolas. Os diáconos são os mais baixos, os presbíteros, ou os anciãos, são os próximos e, acima desses, há uma ordem superior, feita dos próprios Apóstolos, com pessoas como Timóteo e Tito, que tinham que cuidar de um grande número de presbíteros e diáconos, e também eram os principais pastores espirituais das pessoas que estavam sob os cuidados desses presbíteros e diáconos.

No Novo Testamento, o nome de “bispos” (que significa “superintendentes”), às vezes, era dado aos apóstolos e outros clérigos da mais alta ordem, outras vezes, aos presbíteros, mas depois de um tempo foi dado apenas aos da mais alta ordem, e quando os apóstolos morreram, os bispos tinham o governo principal da Igreja. Desde então, tem sido conveniente que alguns bispos sejam colocados acima dos outros, e serem chamados por títulos mais altos, como arcebispos e patriarcas, mas todos pertencem à mesma ordem dos bispos.[1]

Um dos primeiros bispos mais famoso da Igreja foi Inácio, bispo de Antioquia, o lugar onde os discípulos pela primeira vez foram chamados cristãos (Atos 11.26). Antioquia era a principal cidade da Síria, era tão grande que tinha mais de duzentos mil habitantes. O próprio Pedro teria sido seu bispo alguns anos; embora este seja talvez um erro, vale a pena lembrar isso, porque depois vamos encontrar que foi dito que os bispos de Antioquia eram sucessores de Pedro, bem como os bispos de Roma.

Inácio conheceu João e foi feito bispo de Antioquia cerca de trinta anos antes da morte do Apóstolo. Ele governou sua igreja por mais de quarenta anos, quando o Imperador Trajano chegou a Antioquia. Na história romana, Trajano é descrito como um dos melhores entre os imperadores, mas não tratou bem os cristãos. Ele parece nunca ter acreditado que o Evangelho poderia ser verdade, e assim não se deu o trabalho de perguntar no que os cristãos realmente acreditavam ou faziam. Naqueles dias, os cristãos eram obrigados a manter seu culto em segredo, e principalmente à noite, ou muito cedo pela manhã, porque não era seguro encontrarem-se abertamente; e, portanto, os pagãos, que não sabiam o que acontecia nas reuniões, foram tentados a imaginar as coisas mais chocantes: que os cristãos praticavam magia; ou que adoravam a cabeça de um burro; que ofereciam crianças como sacrifício e que comiam carne humana! Não é provável que o Imperador Trajano acreditasse em histórias tão tolas como essas. Quando ele fez alguma indagação sobre os costumes dos cristãos, não ouviu nada além do que era bom neles. Mas ainda assim poderia pensar que havia algum agravo por trás de suas atitudes; e  o Imperador pode ter temido que as reuniões secretas dos cristãos tivessem algo a ver com planos contra seu governo.Sendo assim, como foi dito, não era amigo deles.

Quando Trajano chegou a Antioquia, Inácio foi levado diante dele. O imperador perguntou qual espírito maligno possuía, pois ele não só quebrou as leis, recusando-se a servir os deuses de Roma, mas convenceu os outros a fazerem o mesmo. Inácio respondeu que não era possuído por nenhum espírito maligno, que era servo de Cristo, que por Sua ajuda derrotou a maldade dos espíritos malignos e que levava seu Deus e Salvador dentro de seu coração. Depois de mais algumas perguntas e respostas, o imperador ordenou que ele fosse carregado em cadeias para Roma, e deveria ser devorado por bestas selvagens. Quando Inácio ouviu essa sentença terrível, estava tão longe de ter medo, que explodiu em gratidão e alegria.

Foi uma longa e árdua jornada, sobre a terra e o mar, de Antioquia a Roma, e um ancião, como Inácio, quase era incapaz de suportar, especialmente porque o inverno estava chegando. Ele também deveria estar acorrentado, e os soldados responsáveis por ele se comportavam de maneira muito rude e cruel. Sem dúvida, o imperador pensou que, ao enviar um tão venerável bispo dessa maneira, e o mesmo sofresse uma morte tão terrível e tão vergonhosa (a que apenas os mais baixos dos mais baixos eram geralmente sentenciados), aterrorizaria outros cristãos para que abandonassem sua fé. Mas, em vez disso, a coragem e a paciência com que Santo Inácio suportou seus sofrimentos deu aos cristãos espírito novo para suportar o que pudesse vir sobre eles.

A notícia de que o santo bispo de Antioquia deveria ser levado para Roma logo se espalhou, e em muitos lugares do caminho os bispos, clérigos e pessoas se reuniram, para que pudessem vê-lo, orar, conversar com ele e receber a sua bênção. E, quando pôde encontrar tempo, escreveu cartas a várias igrejas, exortando-as a permanecer firmes na fé, a estar em paz entre si, a obedecer aos bispos que foram postos sobre elas e a avançar em toda vida santa. Uma das cartas foi escrita para a Igreja em Roma e foi enviada por algumas pessoas que viajavam por um caminho mais curto. Inácio pede, nesta carta, que os romanos não tentassem salvá-lo da morte. “Eu sou o trigo de Deus”, ele diz, “deixe-me ser moído pelos dentes de animais, para que eu seja achado pão puro de Cristo. Em vez disso, vocês encorajem os animais, para que eles se tornem meu túmulo e não deixem nada do meu corpo, para que, quando morto, eu não seja incômodo para ninguém.” Ele até disse que, se os leões não avançassem, ele próprio os provocaria para atacá-lo. Não seria correto para as pessoas comuns falarem dessa maneira, e a Igreja sempre desaprovou aqueles que se atiravam no caminho da perseguição. Mas um homem santo que serviu a Deus durante tantos anos como Inácio, podia falar de uma maneira que não era de um cristão comum. Quando ele foi chamado a morrer por seu povo e pela verdade de Cristo, ele pode até ter tomado isso como símbolo do favor de Deus.

Ele chegou a Roma a tempo de alguns jogos que teriam lugar um pouco antes do Natal; pois os romanos eram suficientemente cruéis para se divertirem com a criação de animais selvagens para rasgar e devorar homens, em vastos lugares chamados anfiteatros, em seus jogos públicos. Quando os cristãos de Roma ouviram que Inácio estava perto da cidade, um grande número deles saiu ao encontro dele e disseram que tentariam persuadir as pessoas no anfiteatro para que ele não fosse morto. Mas ele suplicou, como antes tinha feito em sua carta, para que eles não fizessem nada para impedi-lo de glorificar a Deus por sua morte. E ele se ajoelhou com eles e orou para que continuassem com fé e amor, e que a perseguição chegasse ao fim em breve. Como era o último dia dos jogos, e estava quase acabando, ele foi levado rapidamente ao anfiteatro (chamado Coliseu), que era tão grande que dezenas de milhares de pessoas podiam estar presentes. E neste lugar (do qual as ruínas ainda podem ser vistas), Inácio foi destruído por bestas selvagens, de modo que apenas alguns dos seus maiores ossos foram deixados, os quais os cristãos pegaram e levaram para a sua própria cidade de Antioquia

[1]Roberston era anglicano, logo, ele escreve na perspectiva anglicana episcopal de governo da igreja (nota do revisor)

 

FONTE: https://www.ccel.org/ccel/robertson/history.html 

TRADUÇÃO: Douglas Moura

revisão: Cibele Cardoso

edição: Armando Marcos