Esboços da História da Igreja – CAPÍTULO I: A ERA DOS APÓSTOLOS (33-100 dC)

J.C. Robertson

 Esboços da História da Igreja, do ano 33 à Reforma

NOTA INTRODUTÓRIA

James Craigie Robertson nasceu em Aberdeen, Escócia, em 1813, e morreu em Canterbury em 9 de julho de 1882. Graduou-se do Trinity College, Cambridge; foi ordenado ministro anglicano a atuou como vigário de Beckesbourne, perto de Canterbury de 1846 até 1859, e cônego de Canterbury entre 1859 e 1882; lecionou história eclesiástica no Kings College, em Londres, de 1864 até 1874.

Robertson foi considerado um religioso moderado, sem simpatias para com o ritualismo presente do nascente anglocatolicismo inglês. escreveu diversas obras sobre história. Ele escreveu “Como devemos nos conformar com a liturgia da igreja da Inglaterra?” (Londres, 1843) (no qual defende que nem todas as notas de rodapé do Livro de Oração Comum poderiam ser literalmente cumpridas) ; História da Igreja Cristã até a Reforma (em 4 volumes., 1854-73); Esboços de História da Igreja (1855-78); Becket, arcebispo de Canterbury (1859) e lições simples sobre o crescimento do poder papal (1776).

Essa obra que o Projeto Castelo Forte disponibilizará nas próximas semanas, Esboços da História da Igreja, mesmo não tendo a mesma profundidade do trabalho maior, História da Igreja Cristã até a reforma,  é magistralmente escrita e estruturada em sua amplitude de informações, tornando-a perfeitamente acessível para os leigos interessados . Como estudioso da história cristã, Robertson seleciona informações cuidadosamente e estrategicamente para maximizar o entendimento de seus leitores, sem sobrecarregá-los com abundantes detalhes. Deve-se notar pela brevidade que essa obra deve ser vista apenas como uma breve introdução, cabendo aos leitores maiores aprofundamentos.

 

CAPÍTULO I: A ERA DOS APÓSTOLOS (33-100 dC)

 

O início da Igreja cristã é calculado a partir do grande dia em que o Espírito Santo desceu, conforme o Senhor prometeu, aos Apóstolos. Naquele tempo, judeus e homens devotos de todas as nações sob o céu reuniram-se em Jerusalém para celebrar a Festa de Pentecostes (ou Festa das Semanas), que era uma das três estações sagradas as quais Deus exigiu que Seu povo se apresentasse diante dEle no lugar que Ele escolheu (Deuteronômio, 16.16). Muitos desses homens devotos, convertidos pelo que viram e ouviram, creram no Evangelho; e, quando voltaram para seus próprios países, levaram com eles a notícia das coisas maravilhosas que aconteceram em Jerusalém. Depois disso, os Apóstolos foram “por todo o mundo”, como o seu Mestre os havia ordenado, para pregar o Evangelho a toda criatura (Marcos, 16.15). O Livro de Atos nos diz algo sobre o que eles fizeram, e podemos aprender mais sobre eles nas Epístolas. Embora esta seja apenas uma pequena parte do todo, pode nos dar uma noção do resto, se considerarmos que, enquanto Paulo estava pregando na Ásia Menor, na Grécia e em Roma, os outros Apóstolos estavam ocupados fazendo o mesmo trabalho em outros países.

 

Devemos lembrar, também, o constante ir e vir que, naqueles dias, acontecia em todo o mundo. Como os judeus de todos os lugares subiam para celebrar a Páscoa e outras festas em Jerusalém; como o grande Império Romano se estendia de nossa própria ilha da Grã-Bretanha até a Pérsia e Etiópia, e pessoas de todas as partes estavam continuamente indo para Roma e retornando. Devemos considerar como os comerciantes viajavam de país para país por causa de seu comércio; como soldados foram enviados para todos os quartéis do Império sendo movidos de um país para outro. A partir desses fatos, podemos entender o modo como o conhecimento do Evangelho se espalharia, uma vez que se enraizara nas grandes cidades de Jerusalém e Roma. Assim, aconteceu que, no final dos primeiros cem anos após o nascimento de nosso Salvador, algo da fé cristã era conhecido em todo o Império Romano e mesmo em países distantes; e se, em muitos casos, apenas um pouco se soubesse, ainda assim era um ganho e serviu de preparação para mais.

O último capítulo de Atos deixa Paulo em Roma, esperando seu julgamento por causa das acusações dos judeus. Encontramos nas Epístolas que depois obteve a liberdade e retornou para o Oriente. Há motivos para supor que ele também tenha visitado a Espanha, como afirmou que faria em sua epístola aos Romanos (capítulo 15. 28); alguns chegam a pensar que ele mesmo pregou na Grã-Bretanha, mas tal fato não parece provável. Ele finalmente foi preso novamente em Roma, onde o ímpio Imperador Nero perseguiu os cristãos com muita crueldade, e acredita-se que tanto Pedro quanto Paulo foram mortos ali no ano 68 de nosso Senhor.

Os bispos de Roma depois criaram reivindicações de grande poder e honra, porque disseram que Pedro foi o primeiro bispo da igreja e que eles eram seus sucessores. Mas embora possamos razoavelmente acreditar que o Apóstolo foi martirizado em Roma, não parece haver qualquer bom motivo para pensar que ele tenha sido bispo da cidade.

 

Todos os Apóstolos, com exceção de João, devem ter sido martirizados. Tiago o Menor, que era bispo de Jerusalém, foi morto pelos judeus em um alvoroço, no ano 62. Logo depois disso, os romanos enviaram seus exércitos à Judeia e, depois de uma guerra sangrenta, tomaram a cidade de Jerusalém e destruíram o Templo.

 

Trinta anos após o tempo de Herodes, outro cruel imperador, Domiciano, iniciou uma nova perseguição contra os cristãos (95 dC). Entre os que sofreram,encontram-se algumas pessoas de suas relações próximas, pois o Evangelho já havia feito o seu caminho entre os grandes dos povos da terra, bem como entre os pobres, que foram os primeiros a ouvi-lo. Há uma história que conta que o imperador foi informado que algumas pessoas da família de Davi estavam vivendo na Terra Santa, e foram levadas ao imperador, porque ele temia que os judeus os colocassem como príncipes e se rebelassem contra o seu governo. Eram dois netos de Judas, que era um dos parentes de nosso Senhor, segundo a carne e, portanto, pertenciam à casa de Davi e aos reis de Judá. Mas esses dois eram compatriotas, que viviam silenciosamente e satisfeitos em sua pequena fazenda, e não eram susceptíveis a liderar uma rebelião nem a reivindicar reinos terrenos. E quando foram levados diante do imperador, eles lhe mostraram as mãos, que eram ásperas e cheias de calos por trabalharem nos campos. Em resposta a suas perguntas sobre o reino de Cristo, eles disseram que não era deste mundo, mas espiritual e celestial, e que apareceria no fim do mundo, quando o Salvador viria novamente e julgaria os vivos e os mortos. Então, o imperador viu que não havia nada para temer sobre eles e os deixou ir.

 

Foi durante a perseguição de Domiciano que João foi banido para a ilha de Pátmos, onde teve as visões descritas em “Apocalipse”. Todos os outros apóstolos já haviam morrido há muito tempo e João vivia por muitos anos em Éfeso, onde liderou as igrejas do país ao redor. Retornando de Pátmos, visitou todas essas igrejas, para que pudesse reparar a dor que sofreram pela perseguição. Em uma das cidades que visitou, notou um jovem de aparência muito agradável e o chamou para frente, pedindo ao bispo do lugar para cuidar dele. O bispo fez isso e, depois de ter treinado devidamente o jovem, batizou-o e o confirmou. Mas depois disso, o bispo pensou que não precisava cuidar do jovem com tanta atenção como antes.O jovem entrou em uma companhia viciosa, seguindo de mal a pior até tornar-se chefe de uma brigada de ladrões, que manteve todo o país em terror. Quando o Apóstolo visitou a cidade novamente, perguntou sobre o jovem que ele pedira ao bispo para cuidar. O bispo, com vergonha e tristeza, respondeu que o jovem estava morto e, ao ser questionado mais afundo, explicou que queria dizer morto nos pecados e contou toda a história.

João, depois de culpar o bispo por não ter tido mais cuidado, perguntou onde encontraria os ladrões e partiu a cavalo à procura do jovem para assombro deles. O Apóstolo acabou sendo agarrado pelo grupo e levado perante o capitão. O jovem, ao vê-lo, o reconheceu, não podendo suportar o seu olhar, fugiu para se esconder. Mas o apóstolo o chamou de volta, dizendo que ainda havia esperança para ele através de Cristo, e falou de maneira tão emocionante que o ladrão concordou em voltar para a cidade. Chegando à cidade, foi mais uma vez recebido na Igreja como um penitente.Passou o resto de seus dias em arrependimento pelos seus pecados e em gratidão pela misericórdia que lhe fora mostrada.

 

João, na sua velhice, foi muito perturbado por falsos professores, que começaram a corromper o Evangelho. Essas pessoas são chamadas de “hereges”, e suas doutrinas são chamadas de “heresia”,que se origina de uma palavra grega que significa “escolher”, porque eles escolheram seguir suas próprias fantasias, em vez de receberem o Evangelho como os apóstolos e a Igreja ensinaram. Simão, o mago, que foi mencionado no oitavo capítulo de Atos, é conhecido como o primeiro herege, e mesmo no tempo dos apóstolos surgiram vários outros, como Himeneu, Fileto e Alexandre, que são mencionados por Paulo (1 Tim. 1. 19 e seguinte; 2 Tim. 2. 17 e seguinte).

Esses primeiros hereges eram principalmente do tipo que foram chamados Gnósticos – uma palavra que significa que eles fingiam ser mais conhecedores do que os cristãos comuns, e talvez Paulo possa ter se referido a eles quando advertiu Timóteo contra “ciência” (ou conhecimento) “falsamente chamada” (1 Tim. 6. 20). Suas doutrinas eram uma mistura estranha de noções judaicas e pagãs com o cristianismo; e é curioso que algumas das mais estranhas de suas opiniões tenham sido usadas de tempos em tempos por pessoas que achavam que haviam descoberto algo novo, enquanto tinham caído em erros antigos, que foram condenados pela Igreja centenas de anos antes.

 

João viveu até cerca de cem anos. No final, estava tão fraco que não podia entrar na igreja, então, era carregado e costumava dizer continuamente ao seu povo: “Filhinhos, amem-se uns aos outros”. Alguns, depois de um tempo, começaram a ficar cansados de ouvir isso e perguntaram por que ele repetia as palavras com tanta frequência e não dizia mais nada a eles. O apóstolo respondeu: “Porque é o mandamento do Senhor, e se isso for feito, basta”.

FONTE: https://www.ccel.org/ccel/robertson/history.html 

TRADUÇÃO: Douglas Moura

revisão: Cibele Cardoso

edição: Armando Marcos