Esboços da História da Igreja – Capítulo 7 – Orígenes (185-254 d.C.)

Esboços da Historia da Igreja

J.C.Robertson

Capítulo VII: Orígenes (185-254 d.C.)

 

A mesma perseguição que Perpétua e seus companheiros sofreram em Cartago também atingiu a cidade de Alexandria no Egito, onde um homem erudito chamado Leônidas foi um dos mártires (202 d.C.). Leônidas tinha um filho chamado Orígenes, a quem tinha criado com muito cuidado e ensinou todos os dias a guardar a Palavra no coração. Orígenes estava muito ansioso para aprender, e era tão bom e tão inteligente, que seu pai tinha medo de demonstrar o quanto o amava e quão orgulhoso se sentia do filho, para que o menino não se tornasse confiante e convencido demais. Então, quando Orígenes fazia perguntas do tipo que somente alguns meninos pensariam perguntar, seu pai costumava castigá-lo, mas quando dormia, Leônidas ficava ao lado da sua cama e o beijava, agradecendo a Deus por lhe ter dado uma criança assim.

Quando a perseguição começou, Orígenes, que tinha então cerca de dezessete anos, desejava ter permissão para morrer por sua fé; mas sua mãe escondeu suas roupas e obrigou-o a ficar em casa; e tudo o que ele podia fazer era escrever a seu pai na prisão, que ele não temesse que a viúva e os órfãos fossem destituídos e deixados na miséria, mas que prosseguisse firme em sua fé, e que confiasse em Deus para prover o alívio deles.

Os perseguidores não se contentaram com a morte de Leônidas; eles se apoderaram de todas as suas propriedades, de modo que a viúva foi deixada em grande angústia, com sete filhos, dos quais Orígenes era o mais velho. Uma senhora cristã aceitou gentilmente Orígenes em sua casa; e, depois de um curto período de tempo, jovem como era, tornou-se mestre da “Escola Catequística”, uma espécie de colégio, onde os jovens cristãos de Alexandria eram instruídos na religião e no aprendizado. A perseguição havia diminuído por um tempo, mas logo recomeçou novamente, e alguns dos alunos de Orígenes foram martirizados. Ele os acompanhou no julgamento, e ficou junto a eles em seus sofrimentos. Porém, apesar de ter sido maltratado pela multidão de Alexandria, foi autorizado a sair livre.

Orígenes havia lido no Evangelho: “Vocês receberam de graça; deem também de graça.” (Mateus 10:8), e logo concluiu que deveria ensinar de graça. Por conseguinte, para que pudesse fazer isso, vendeu grande quantidade de livros que escreveu e viveu por muito tempo pelo preço deles, permitindo-se apenas cerca de cinco centavos por dia. Sua comida era pobre; tinha apenas um casaco e passava severo frio no inverno. Ele se privava muito. Quando envelheceu, entendeu que estava enganado em algumas de suas noções quanto a essas coisas, e lamentou que, por tratar a si mesmo tão arduamente, havia prejudicado sua saúde de tal modo que não podia mais repará-la. Mesmo assim, mesmo enganado, nós devemos honrá-lo por passar tão bravamente com as obrigações que tomou como seu dever.

 

Orígenes logo se tornou tão famoso como professor que até mesmo judeus, pagãos e hereges foram ouvi-lo; muitos deles foram conduzidos e convertidos para o Evangelho por ele. Ele viajou muito; algumas de suas jornadas foram realizadas por ser convidado por países estrangeiros para ensinar o Evangelho a pessoas que desejassem a sua instrução, ou para resolver disputas sobre religião. Foi convidado para visitar a mãe do Imperador Alexandre Severo, que era simpatizante do cristianismo, embora não fosse um cristão. Orígenes também escreveu um grande número de livros com explicações da Bíblia e de outros assuntos religiosos.

Mas, apesar de ser muito bom, bem como um homem muito sábio, Orígenes caiu em algumas opiniões estranhas, de querer livrar-se de algumas das dificuldades que, como diz Paulo, fizeram o evangelho parecer “loucura” aos filósofos pagãos (1 Cor. 1.23). Além disso, Demétrio, bispo de Alexandria na época, apesar de ter sido seu amigo, teve alguns motivos para não desejar ordená-lo ao sacerdócio; quando Orígenes foi ordenado presbítero na Terra Santa, onde estava de visita, Demétrio ficou muito irritado. Disse que nenhum homem deveria ser ordenado em nenhuma igreja senão a de sua própria casa; e criou histórias sobre algumas coisas rudes que Orígenes tinha feito na sua juventude, e perguntas sobre as estranhas doutrinas que ele possuía. Orígenes, descobrindo que não podia esperar a paz em Alexandria, voltou para seu amigo, o bispo de Cesareia, por quem ele havia sido ordenado, e passou muitos anos em Cesareia, onde era mais procurado do que nunca como professor. Nesse tempo, foi levado para a Capadócia, pela perseguição de um imperador selvagem chamado Maximino, que havia assassinado o gentil Alexandre Severo; mas voltou para Cesareia e morou lá até que outra perseguição começou sob o imperador Décio.

 

Essa foi, de longe, a pior perseguição conhecida até então. Foi a primeira realizada no Império inteiro, e agora não se respeita às antigas leis que Trajano e outros imperadores haviam feito para proteger os cristãos. Eles foram perseguidos e levados aos tribunais de cada cidade, onde os magistrados os obrigavam a sacrificar e, se recusassem, eram condenados à punição severa. O imperador desejava chegar aos bispos e aos clérigos; pois pensou que, se os professores fossem removidos, as pessoas logo desistiriam do Evangelho. Embora muitos mártires tivessem sido mortos naquele momento, os perseguidores não queriam tanto matar os cristãos, como queriam fazer com que eles rejeitassem sua religião; e, na esperança disso, muitos foram deixados à fome, foram torturados e enviados para banimento em países estrangeiros, entre pessoas selvagens que nunca tinham ouvido falar de Cristo. Mas aqui os planos do imperador foram particularmente desapontados, pois os bispos e clérigos banidos tiveram assim a oportunidade de fazer o Evangelho conhecido para aquelas tribos pobres e selvagens, que talvez não tivessem sido alcançadas por muito tempo, se a Igreja tivesse sido deixada quieta.

Ouviremos mais sobre a perseguição no próximo capítulo. Aqui só devo dizer que Orígenes foi preso e cruelmente torturado. Ele tinha quase setenta anos de idade e era fisicamente frágil por conta dos trabalhos que seus estudos exigiram, e também por ter prejudicado sua saúde por uma vida dura e escassa em sua juventude, de modo que quase não foi capaz de suportar as dores da tortura e, embora não tenha morrido sob elas, acabou morrendo por seus efeitos logo após (254 d.C.).

Décio foi morto em batalha (251 dC), e a perseguição chegou ao fim. Quando tudo acabou, os fiéis entenderam que a perseguição tinha sido de grande utilidade, não só ajudando a espalhar o Evangelho, da maneira que foi mencionada, mas purificando a Igreja, e ao despertar os cristãos do descuido no qual muitos caíram durante o longo tempo de calma e silêncio que antes tinham desfrutado. Pois as provações que Deus envia ao Seu povo neste mundo são como os castigos de um Pai Amoroso e, se as aceitarmos corretamente, descobriremos que todos serão para o nosso bem.

FONTE: https://www.ccel.org/ccel/robertson/history.html 

TRADUÇÃO: Douglas Moura

revisão: Cibele Cardoso

edição: Armando Marcos