Esboços da História da Igreja – Capítulo 6 – Tertuliano e Perpétua (181-206 d.C)

Esboços da Historia da Igreja

J.C.Robertson

Capítulo VI – Tertuliano e Perpétua (181-206 d.C)

 

O Imperador Marco Aurélio morreu no ano 181, e a Igreja foi pouco perturbada pela perseguição durante os próximos vinte anos.

Por volta desse tempo, um falso mestre chamado Montano fez muito barulho no mundo. Ele nasceu na Frígia, e parece ter ficado louco. Ele costumava cair em ataques e, enquanto estava neles, proferia palavras irracionais que foram tomadas como profecias, ou mensagens do céu, e algumas mulheres que o seguiam fingiram ser profetisas. Essas pessoas ensinavam um modo de vida muito rígido e muitas pessoas que desejavam levar vidas santas foram enganadas e seguiram seus ensinamentos. Um deles foi Tertuliano, de Cartago, na África, um homem muito inteligente e culto, que havia sido convertido do paganismo e escrito alguns livros em defesa do Evangelho, mas tinha um temperamento orgulhoso e impaciente, e não considerou corretamente como nosso próprio Senhor havia dito que sempre haveria uma mistura de maldade com o bem em Sua Igreja na Terra (Mateus 13.38,48). E quando Montano fingiu criar uma nova igreja, na qual não deveria haver senão pessoas boas e santas, Tertuliano caiu no laço e deixou a verdadeira Igreja para se juntar aos Montanistas (como os seguidores de Montano eram chamados). Desde então, escreveu muito amargamente contra a Igreja. Porém, continuou a defender o Evangelho em seus livros contra judeus e pagãos, e todos os tipos de falsos professores, exceto Montano. Quando Tertuliano morreu, suas boas ações foram lembradas mais do que a sua queda, de modo que, com todas as suas faltas, seu nome sempre foi respeitado.

 

Depois de mais de vinte anos de paz, houve perseguições cruéis em alguns lugares do Império sob o reinado de Severo. Os mais famosos dos mártires que sofreram foi Perpétua e seus companheiros, que pertenciam ao mesmo país de Tertuliano e talvez à sua própria cidade, Cartago. Perpétua era uma jovem casada e tinha um bebê com apenas algumas semanas. Seu pai era pagão, mas ela própria havia sido convertida e era uma “catecúmena” – nome dado aos convertidos que ainda não tinham sido batizados, mas estavam em curso de “catequização” ou treinamento para o batismo. Quando Perpétua foi colocada na prisão, seu pai foi vê-la, na esperança de persuadi-la a desistir de sua fé. “Pai”, ela disse, “você vê este navio parado aqui, você pode chamá-lo por qualquer outro nome que não o seu nome certo?” Ele respondeu: “Não.” “Nem eu”, disse Perpétua, “posso me chamar de outra coisa do que eu sou – uma cristã”. Ao ouvir isso, seu pai foi para cima dela com tanta raiva que parecia que arrancaria os olhos dela; mas ela ficou tão quieta que ele não conseguiu machucá-la, e a deixou por algum tempo.

 

Enquanto isso, Perpétua e alguns de seus companheiros foram batizados; e, no seu batismo, pediu graça para suportar qualquer sofrimento que pudesse estar esperando por ela. A prisão em que ela e os outros estavam era um calabouço horrível, onde Perpétua sofria muito por causa da escuridão, do estado lotado do lugar, do calor, da falta de ventilação e do comportamento grosseiro dos guardas. Mas, acima de tudo, ela estava angustiada com sua pobre criancinha, que separada dela, estava definhando. Alguns cristãos gentis, entretanto, deram dinheiro aos guardas da prisão, conseguindo fazer com que Perpétua e seus amigos passassem algumas horas do dia em uma parte mais clara do prédio, onde seu filho foi levado para vê-la. Depois de um tempo ela o levou para estar sempre com ela.

 

Os mártires foram confortados pelos sonhos, que serviram para dar-lhes coragem e força para suportar seus sofrimentos, mostrando-lhes visões de bem-aventurança que se seguiriam. Quando foi fixado o dia para o julgamento deles, o pai de Perpétua voltou a vê-la. Ele implorou que ela tivesse pena da idade avançada dele, para lembrar-se de toda sua bondade com ela, e como ele a amou mais do que aos outros filhos. Ele implorou que ela pensasse em sua mãe e seus irmãos, e da desgraça que cairia sobre toda a família se ela fosse morta como uma malfeitora. O pobre velho derramou um dilúvio de lágrimas; humilhou-se diante dela, beijando-lhe suas mãos, atirando-se em seus pés e chamando-a de Senhora ao invés de Filha. Mas, embora Perpétua estivesse triste em seu coração, ela só podia dizer: “o prazer de Deus será feito sobre nós. Nós não estamos no nosso próprio poder, mas no Dele”.

 

Um dia, quando os prisioneiros estavam jantando, de repente foram apressados para o julgamento. O mercado local, onde o juiz estava sentado, estava lotado, e quando Perpétua foi levada à frente, seu pai rastejou tão perto quanto pôde, segurando seu filho, e disse: “Tenha pena de seu bebê.” O próprio juiz suplicou-lhe que tivesse pena do pequeno e do velho. Mesmo diante do doloroso julgamento, ela declarou que era cristã e que não podia adorar deuses falsos. Com essas palavras, seu pai explodiu em gritos tão altos que o juiz ordenou que ele fosse derrubado do lugar onde estava de pé e fosse batido com bastões. Talvez o juiz não fizesse isso tanto para punir o velho por ser ruidoso, mas para que a visão de seu sofrimento pudesse comover a filha; embora Perpétua sentisse cada golpe como se tivesse sido dado nela mesma, sabia que não devia ceder. Ela foi condenada, com seus companheiros, a ser exposta a animais selvagens; depois de ter sido levada de volta à prisão, seu pai a visitou mais uma vez. Parecia como se ele estivesse fora de si com tanta tristeza; rasgou sua barba branca, amaldiçoou sua velhice e falou de uma maneira que poderia ter movido um coração de pedra. Porém, Perpétua só podia sentir pena por ele, pois não podia desistir de seu Salvador.

 

Os prisioneiros foram mantidos por algum tempo depois de sua condenação, para que pudessem ser mortos em alguns grandes jogos que se realizariam no aniversário de um dos filhos do imperador. Durante esse confinamento, o comportamento dessas pessoas teve um grande efeito em muitos que o presenciaram. O próprio carcereiro foi convertido por eles, assim como outros que tinham ido observá-los. Finalmente, chegou o dia marcado, e os mártires foram levados para o anfiteatro. Os homens foram rasgados por leopardos e ursos; Perpétua e uma jovem chamada Felicidade, que havia sido escrava, foram colocadas em redes e jogadas diante de uma vaca furiosa, que as jogou e as chifrava cruelmente; quando isso acabou, Perpétua parecia não ter sentido nada, e parecia estar acordando de um transe, e perguntava quando a vaca viria. Então, ajudou Felicidade a se levantar do chão e falou palavras de conforto e encorajamento para os outros. Quando as pessoas do anfiteatro tiveram o que desejavam dos animais selvagens, gritaram que os prisioneiros deveriam ser mortos. Perpétua e o resto, então, despediram-se uns dos outros, e caminharam com olhares alegres e passos firmes ao meio do anfiteatro, onde homens com espadas foram ao encontro deles e executaram-nos. O algoz que mataria Perpétua era um jovem, e estava tão nervoso que a esfaqueou em um lugar onde a ferida não era mortal; mas ela mesma pegou sua espada e mostrou-lhe onde lhe dar o golpe mortal.

FONTE: https://www.ccel.org/ccel/robertson/history.html 

TRADUÇÃO: Douglas Moura

revisão: Cibele Cardoso

edição: Armando Marcos