Cuidado com a Mentalidade Vitimista – Akos Balogh

Akos Balogh

Eu cresci com uma mentalidade de vítima.

Ninguém chamava assim na época. Mas, quando olho para trás, é o que era.  

Veja, eu era um refugiado da Europa Oriental comunista – da Hungria. Cresci entre outros refugiados, entre vítimas: vítimas de um regime totalitário opressor; vítimas que viram entes queridos presos e mortos; vítimas para as quais fugir de sua terra natal era frequentemente a única opção que restava.  

Agora, nem por um momento quero minimizar o sofrimento de meus companheiros refugiados húngaros. A dor deles era real.

Mas isso significava que cresci em uma subcultura que estava totalmente ciente de seu sofrimento. Ser uma vítima era fundamental para nossa identidade húngara – como goulash e páprica. E sim, a Hungria teve seu quinhão de tragédia nacional: a partir do Tratado de Paz de Trianon, de 1920, no final da Primeira Guerra Mundial, a Hungria perder 60% de seu território; a depois ela foi ocupada, primeiro pelos nazistas e depois pelos soviéticos (por mais de 40 anos).

Enquanto eu crescia, eu era constantemente lembrado de quanto nós, húngaros, havíamos sofrido nas mãos de outros.

Nós fomos as vítimas. E as nações ao redor, os soviéticos, romenos, sérvios, os Tchecos, eles foram os opressores.

Éramos inocentes. Eles eram culpados.

E assim, desenvolvi uma mentalidade de vítima.

Desnecessário dizer que essa mentalidade de vítima não me encorajou exatamente a construir amizades com essas nacionalidades. (Na verdade, enquanto meus colegas de escola primária jogavam handebol e Atari, eu sonhava em lançar uma revolução contra os ocupantes soviéticos – tendo Rambo e Reagan como minha inspiração).

A mentalidade de vítima distorceu grande e verdadeiramente minha visão da realidade.

A mentalidade da vítima vem para o oeste

Mas agora estou vendo a mentalidade de vítima se popularizar aqui no Ocidente. É por meio da ideologia comumente conhecida como ‘política de identidade’, que divide nitidamente a sociedade em vítimas e opressores. É uma ideologia que diz a várias minorias que são  infelizes vítimas de um sistema opressor: seja de racismo, heteronormatividade ou sexismo (por exemplo). [1]

Novamente, não estou minimizando o sofrimento dessas minorias. Mas estou preocupado com a adoção de uma mentalidade de vítima: uma mentalidade que – como uma droga – faz você se sentir bem por um tempo, mas depois suga sua vida.

Portanto, vamos explorar essa mentalidade de vítima e por que é tão ruim para as pessoas.

O que é uma mentalidade de vítima?

Embora não haja uma definição psicológica formal de uma mentalidade de vítima, uma definição útil para esse artigo é a seguinte:

Se você tiver uma mentalidade de vítima, verá toda a sua vida sob a perspectiva de que as coisas acontecem constantemente “para” você. A vitimização é, portanto, uma combinação de uma visão na qual a maioria das coisas na vida são percebidas como negativas, além do seu controle, e como algo que você deve ter simpatia por experimentar, como você “merece” melhor. Em seu cerne, a mentalidade de vítima é, na verdade, uma maneira de evitar assumir qualquer responsabilidade por si mesmo ou por sua vida. Ao acreditar que você não tem poder, você não precisa agir.

Em outras palavras, qualquer coisa ruim em sua vida é culpa de outras pessoas. Eles são os que são maus, errados ou burros, e você é bom, certo e brilhante. Outras pessoas fazem coisas ruins ou estúpidas e você sofre como resultado.

Uma Distinção Crucial: Ser uma Vítima versus a Mentalidade de Vítima

Antes de avançarmos, vamos fazer uma distinção crucial: existe vítimas inocentes. Essas pessoas sofrem (exclusivamente) por causa do pecado de outra pessoa.

Vemos isso claramente nas Escrituras.

Por exemplo, oprimir vítimas inocentes é condenado por Deus em todas as Escrituras (por exemplo, Zc 7: 9-10 ; Tg 2: 6 ). O próprio Jesus é a vítima por excelência da maldade humana ( Is 53: 6-7 ; Lc 23: 15-16 ; At 3: 14-15 ). E o Novo Testamento afirma a perseguição injusta que muitos cristãos sofreram (por exemplo, 1 Pedro 2:19 ).

As pessoas podem ser vítimas inocentes. Podemos sofrer o mal injusto nas mãos de outros. 

Mas precisamos ter cuidado para não deixar de ser uma vítima inocente e passar a adotar a mentalidade de vítima.

E no caso de outras vítimas, devemos afirmar a realidade de seu sofrimento (e se tivermos oportunidade, abordá-la). Mas prestamos a eles um grave desserviço se promovermos neles uma mentalidade de vítima .

Aqui estão 6 razões:

1. A Bíblia não incentiva a mentalidade de uma vítima

Embora a Bíblia reconheça a realidade das vítimas inocentes, ela não chega a afirmar a mentalidade de vítima .

Vemos isso primeiro na vida de Jesus.

Se alguém tinha o direito de adotar uma ‘mentalidade de vítima’ – culpando outras pessoas por seu próprio sofrimento injusto – esse alguém era Jesus. E mesmo assim, de acordo com as Escrituras, Jesus não adotou nenhum comportamento consistente com a mentalidade de vítima. Em vez disso, em resposta ao seu sofrimento, ele tinha a mentalidade de um servo humilde ( Fp 2: 7-8 ); ele suportou fielmente ao ver a alegria que o esperava do outro lado de sua ressurreição ( Hb 12: 2 ); e ele confiou ativamente em Deus durante toda a provação ( 1 Pedro 2: 21-23 ), sabendo que havia um propósito por trás de seu sofrimento ( Marcos 10:45 ). Além disso, ele amorosamente sofreu e sangrou por aqueles que o vitimaram ( 1 Pedro 2: 21-24) Mesmo em meio a seu sofrimento, ele orou por perdão ( Lucas 23:34 ).

A principal vítima da história humana nunca adotou a mentalidade de vítima. E o Novo Testamento ordena que os cristãos tenham a mesma atitude de Jesus. 

Mesmo quando sofremos perseguição, nunca somos encorajados a adotar algo que se pareça com a mentalidade de uma vítima. Em vez disso, devemos agir com responsabilidade: fazer o bem em meio à perseguição com o objetivo de ajudar nossos inimigos a conhecer a Cristo ( 1 Pedro 2:12 ); não retribuir o mal com o mal ou o insulto com o insulto ( 1 Pedro 2: 20-23 ); não odiando nossos inimigos, mas amando-os ( Mt 5:44 ). E em vez de negatividade em face do sofrimento injusto, devemos nos alegrar mesmo enquanto sofremos ( 1 Pedro 1: 6 , 4:16 ). Observe que esses são comandos ativos: não há passividade ou desistência diante do sofrimento – mesmo quando existe sofrimento injusto.

A mentalidade de vítima não é uma resposta bíblica ao sofrimento injusto.

2. A mentalidade da vítima distorce nossa visão da realidade

A mentalidade de vítima distorce nossa visão da realidade. Quando adotamos a mentalidade de vítima, tendemos a ver as coisas através de lentes negativas. Aumentamos as coisas ruins que nos acontecem e as atribuímos exclusivamente a pessoas e forças fora de nosso controle. Perdemos nossa perspectiva da realidade.

3. Isso nos cega para nossos próprios pecados e nossa necessidade de um Salvador

A mentalidade de vítima aumenta o dano causado a nós e minimiza nossa própria pecaminosidade. Afinal, raciocinamos, nosso pecado não é nada comparado com o que outros fizeram por nós. Mas, exceto em circunstâncias em que somos vítimas inocentes (por exemplo, quando roubados com uma arma, etc.), geralmente temos alguma responsabilidade por nossa situação. Muitas vezes temos um papel a desempenhar na maneira como as coisas aconteceram (mesmo que apenas parcialmente). Mas uma mentalidade de vítima conta uma falsa narrativa, explicando nossa situação de forma que a culpa recaia exclusivamente sobre outras pessoas / circunstâncias.

Ou, falando teologicamente, ficamos cegos para nosso próprio pecado. Para usar minha educação húngara como exemplo, só mais tarde percebi que – choque, horror – a história da Hungria não é um simples caso de húngaros como vítimas inocentes. Freqüentemente, os húngaros também faziam coisas más aos outros (por exemplo, o anti-semitismo). Mas nunca fui ensinado a crescer, por causa da mentalidade de vítima.

Além disso, quando estamos cegos para nosso próprio pecado, estamos cegos para nossa necessidade de resgate do pecado. Estamos cegos para nossa necessidade de um Salvador. E essa é uma situação espiritualmente perigosa para se estar.

4. Isso nos tira o poder

Um dos impactos mais prejudiciais da mentalidade de uma vítima é o que ela causa às pessoas que a possuem: remove quase toda a iniciativa de melhorar sua situação. Eles perdem a capacidade de influenciar positivamente suas circunstâncias e melhorar suas vidas. Em outras palavras, eles são reféns de suas circunstâncias. Como o pensador e autor secular Stephen Covey apontava:

Pessoas reativas [isto é, pessoas com mentalidade de vítima] são afetadas por seu … ambiente … Quando as pessoas as tratam bem, elas se sentem bem; quando as pessoas não o fazem, elas se tornam defensivas ou protetivas. Pessoas reativas constroem suas vidas emocionais em torno do comportamento de outras pessoas, dando poder para as fraquezas de outras pessoas para controlá-las. ‘ [2]

5. Isso suga a alegria da vida. Não somos gratos por nossas bênçãos.

A mentalidade de vítima não apenas distorce e amplia nossas dificuldades, mas também minimiza nossas bênçãos. Se apenas virmos nossas dificuldades (e ficarmos frustrados com elas), não olharemos em volta por tempo suficiente para notar nossas bênçãos.

Mas, novamente, isso não é bíblico.

Como cristãos, Deus nos deu todas as bênçãos espirituais em Cristo ( Ef 1: 3 ) e, portanto, podemos ser gratos, independentemente de nossas circunstâncias terrenas ( Colossenses 2: 6-7 ). Podemos nos regozijar até mesmo em nossos sofrimentos, sabendo que o sofrimento alcança para nós nosso objetivo final – ser mais como Cristo ( Rm 5: 3-5 ). 

Sim, sofremos enquanto sofremos. Podemos ser devastados pela dor ao suportar a injustiça. Podemos trabalhar para acabar com essa injustiça. Mas fazemos isso com esperança e amor – não com raiva e ódio por aqueles que nos machucam.

6. Isso prejudica os relacionamentos

Se você está se relacionando com pessoas com mentalidade de vítima, é provável que elas não assumam a responsabilidade por seus atos no relacionamento. Se houver tensão, será sua culpa. Se houver conflito, você é o culpado, não elas. Elas não estarão abertas para serem desafiadas sobre seus pecados – por que estariam? Elas são inocentes e você é culpado. Esse relacionamento é tenso e cheio de tensão.

Mais uma vez, senti isso em minha educação politizada: senti raiva de pessoas de nacionalidades que haviam oprimido os húngaros.

E vemos isso na política de identidade moderna, onde a reação padrão dos grupos de vítimas é a raiva daqueles considerados opressores (veja a maneira como muitos defensores LGBTI se relacionam com os cristãos e instituições cristãs).

Adotar uma mentalidade de vítima é ruim para nós. E encorajar outras pessoas a adotarem uma mentalidade de vítima é ruim para elas. Na verdade, na medida em que encorajamos as vítimas a adotarem uma mentalidade de vítima, nós as prejudicamos.

Uma maneira melhor: confiar sua vida a Deus enquanto faz o bem

Há uma maneira melhor de viver a vida do que culpar constantemente os outros por seus desafios. Existe uma maneira melhor de viver do que exigir que os outros consertem sua situação. A Bíblia nos mostra esse caminho melhor. Mas o mundo secular está começando a entender isso também.

O psiquiatra austríaco e sobrevivente do Holocausto, Viktor Frankl, descobriu – em meio aos horrores de Auschwitz – que não importa quais sejam as nossas circunstâncias, somos capazes de reagir. Como portadores da imagem de um Deus criativo, temos o arbítrio pessoal: a capacidade de tomar iniciativa, escolher nossa resposta e agir com sabedoria, não importa o que enfrentemos. [3]

E, embora assumir responsabilidades muitas vezes signifique reconhecer nosso comportamento pecaminoso e seu impacto sobre os outros, podemos fazer isso se confiarmos em um Salvador que nos resgata das consequências de nosso pecado.

Ou, nas palavras do apóstolo Pedro, escrevendo aos cristãos que sofrem perseguição: quem sofre segundo a vontade de Deus, confie a sua alma a um Criador fiel, fazendo o bem. ( 1 Pedro 4:19 ).

Essa é uma maneira muito melhor de viver.


Publicado pela primeira vez em akosbalogh.com

[1] Como o pesquisador social Peter Kurti aponta :

‘[Na política de identidade], um indivíduo ou pertence a uma maioria, exercendo esse poder de forma consciente ou inconsciente; ou a uma minoria, suportando o impacto deste poder como vítima … A vítima apresenta uma reclamação com base em um dever presumido, mas este ‘dever devido’ não é negociado nem recíproco ‘. Ver Peter Kurti, The Democratic Deficit – How Minority Fundamentalism Threatens Liberty in Australia (The Centre For Independant Studies, julho de 2016), 6, 12.  Em outras palavras, se você é uma vítima, então você é visto (de acordo com a política de identidade) como tendo o direito de exigir coisas dos outros – daqueles considerados seus ‘opressores’. O resultado final é que esta forma política e social de vitimização é valorizada e promovida. Quando as pessoas ouvem que são vítimas, e ser vítima traz consigo alguns benefícios da sociedade em geral, não demorará muito para que acabem com uma mentalidade de vítima.

[2] Stephen R. Covey, Os 7 hábitos de pessoas altamente eficazes (Melbourne: The Business Library, 1989), 72.

[3] Este relato de Viktor Frankl é contado por Stephen Covey. Veja Covey, Os 7 hábitos, 69.

Akos Balogh é é casado com Sarah e tem três filhos. Akos nasceu em Budapeste e foi abençoado por poder vir para a Austrália como refugiado em 1981. Ele veio à fé no final do ensino médio, por meio da influência de amigos, família e das Escrituras. Ele passou a estudar Engenharia Aeroespacial na UNSW, antes de trabalhar na RAAF por cinco anos. Depois de completar seu Bacharel em Divindade na Moore Theological College, ele então teve a alegria de servir na AFES por seis anos, na Southern Cross University em Lismore. Ele é o responsável pelo TGC Austrália.

FONTE: https://au.thegospelcoalition.org/article/beware-the-dangers-of-a-victim-mentality/ 

Tradução: Armando Marcos